Carollina Laureano: Sobre Escrever

O prazo para entrega do meu texto já havia se esgotado há pelo menos uns dois dias e eu já havia atingido todos os limites de desculpas esfarrapadas que um ser humano poderia inventar. A última era que eu não estava gostando do rumo que o final do meu fictício texto havia tomado.
-Pô Johnny, tu tá abusando, estamos com os prazos no limite.
Essa frase martelava em minha cabeça. Ecos. "O prazo Johnny, o prazo".
Infelicidade. Eu estava mesmo em uma maré de azar. Até o horóscopo eu passei a ler, quem sabe um dia ele me profetizaria como sendo aquele meu dia de sorte. Passei a ler compulsivamente como se, em um estalo, a inspiração e os ventos dos bons escritos retornassem à minha vida. Tudo em vão.

Optei por uma outra alternativa: pautar coisas. Eu era bom com pautas. Primeiro decidir escrever sobre a conjuntura política nacional atual. Sentei, as idéias já fluindo, cheguei até a visualizar o texto todo escrito em minha frente. Estalei os dedos, abri o editor de textos e disse pra mim mesmo: "vamos lá João, está tudo aqui dentro, é só colocar pra fora, vamos na fé".
Sacudi os ombros e comecei a digitar.
Só comecei.
Aquela situação era impossível, se eu contasse para alguém era bem provável que duvidasse, seria bem compreensível. Quem tem medo de um editor de textos em branco? Tanta coisa nesse vasto mundo para ser temeroso e eu estava me deixando intimidar por um espaço em branco, justo eu que era acostumado a escrever até diante do sacolejo do ônibus, ou de pé no metrô, ou em qualquer outra situação improvável.
Decidi relaxar, afinal, se já tinha enrolado por dois dias, um dia a mais acho que não faria tanta diferença assim.Andei pelos corredores estreitos do apartamento. Liguei a cafeteira e enquanto o café passava decidi acender um cigarro. As idéias sempre fluíam melhor depois de um café, ou de um cigarro. Conclui que se fizesse ambos quase que ao mesmo tempo eu deveria ter uma fruição em dobro, ou algo perto disso.
Peguei uma xícara de café bem forte e sentei novamente diante do computador. Optei novamente pelo sistema de pautas. Talvez devesse escrever sobre algo não tão tenso quando política, talvez artes e cultura. Era realmente o que eu gostava de escrever, me sentia a vontade para falar sobre tal assunto, era algo mais próximo a minha realidade. Talvez alguma divagação sobre algo que eu tenha visto recentemente e que tenha despertado alguma reação adversa em mim, ou talvez a operação inversa, algo que eu fui vê com uma expectativa grande e que me decepcionei com o resultado. Fiz uma retrospectiva de shows, exposições, cinema, teatro e afins. Idéias começaram a se esboçar em minha mente. Sabia que esse truque não ia falhar e que todo meu fiel envolvimento com o cenário cultural da cidade não me deixaria na mão quando eu mais precisasse.
O telefone toca. Atendo ou não atendo? Justo agora que eu havia começado a me concentrar em coisa séria. Mas se eu não atender e seja lá quem for continuar insistindo e eu perder de vez toda a concentração que levei horas para pode conquistar. Decidi atender, mas prometi ser breve.
- Alô.
-Johnny? Nina, tudo bom.
(Ó pai, justo a Nina. Essa foi golpe baixo)
- Que surpresa.- Pois é. Então, vou estar pelos seus arredores hoje, não estás afim de uma cerveja?

(Aquele sotaque sulista, aquelas curvas)
- Johnny? Johnny? Ouviste o que eu disse?
- Sim, sim. A que horas seria?
- Daqui à uma hora.
(Uma hora? Pensei eu, tempo mais que suficiente pra escrever uma simples crônica. resolvi topar)
- Perfeito. Onde nos encontramos?- Naquele mesmo bar daquela última vez, se lembra?(E como eu poderia esquecer)- Combinadíssimo. No mesmo bar do último encontro. Vai ser bom revê-la.
- Digo o mesmo. Deixa-me ir arrumar então. Até daqui a pouco.
- Até.
Desliguei o telefone sem ter a certeza de ter feito a coisa certa ou de ter ido em direção ao infortúnio. Bom, eu só tinha que me concentrar e terminar de escrever. Terminar o que? – pensei - se mal havia começado a organizar minhas idéias antes do telefone tocar.
Algumas frases começaram a surgir diante daquele editor em branco, logo pensei, agora vai. Mas o relógio me avisava que faltavam 15 minutos para o meu encontro. Eu que esperei tempos e tempos por está ligação e ela me vem numa hora dessas, só podia ser alguma peça do destino. Salvei o quase nada que havia produzido, tomei um banho rápido, me vesti e fui.
Durante o pequeno percurso que separava o meu apartamento do bar eu pensei e pensei. Deveria eu te ligado e avisado que me atrasaria um pouco? Deveria eu ter convidado ela a vir até minha casa? Deveria eu ter recusado o convite?
Quando cheguei lá estava ela, sorridente me esperando. Aquele sorriso, juntamente com aquele belo par de olhos azuís, levaram embora todas as minhas dúvidas.
- Achei que havia desistido de mim?
- Imagina. Enrolei-me um pouco antes de sair de casa.
- Estás pensativo. (falava enquanto retirava a franja que caia sobre minha testa)
- Uma pequena preocupação, mas nada grave. Logo passa.
- Tens certeza que eu não atrapalho? Liguei assim na pressa, te tirei de algum trabalho?- Não, não. Já disse que não é nada de importante.Bebemos algumas cervejas e a proximidade com o novo dia fez com que ela se despedisse.

- Tenho que ir, já está ficando tarde.- Fique mais um pouco. Eu a levo em casa.- Não precisa preocupaste.- Não quer dormir em casa, a hora já está bem avançada para mocinhas ficarem andando sozinhas por essas ruas violentas.
(o que havia me levado a ter criado um discurso tão, tão, piegas pra não dizer outras coisas)
- Já disse que não quero incomodar.(a essa altura eu já sentia uma certa embriaguez em sua voz)
- Incomodo algum.
- Então eu aceito.
Agora sim eu havia dado tchau a todas possibilidades de escrever alguma coisa e entregar no dia seguinte, no primeiro horário, antes que meu editor pudesse abrir sua caixa de entrada e ver que nada referente ao meu compromisso havia sido entregue. Estava completamente encrencado.
Chegamos em casa e a primeira coisa na qual eu me deparei foi com aquela tela quase que em branco que tanto estava me incomodando. Mais uma vez pensei, talvez quem sabe depois de uma tanta esperada noite as coisas voltem ao normal e eu consegui vomitar tudo o que estava entalado dentro de mim. Tentei me concentrar em Nina, já completamente bêbada jogada em minha cama.
- Vem cá vem.
- Dê-me cinco minutinhos querida.
(que besteira tamanha eu havia falado, eu que a tempos havia esperado por aquele momento, mandei-a esperado por uma tela em branco que tanto me intrigava. eu só poderia ter ficado louco mesmo)

- Vem Johnny.
- Um minutinho.
Estava decidido a escrever sobre aquela cena que estava se passando diante de meus olhos e de todo o paradoxo na qual ela havia se transformado. Quando eu poderia sentar e escrever eu estava com bloqueio e, quando eu deveria esquecer de que palavras existiam, elas todas se manifestaram ao mesmo tempo numa voracidade tamanha que era impossível controlar.
Acordei no outro dia debruçado sobre o teclado. Tentei entender o que havia acontecido, ainda estava um pouco sonolento. Olhei para a cama numa tentativa de encontra-la lá, dormindo, mas a mesma estava vazia. Tentei procurar algum bilhete, sobre a cômoda, cama, geladeira, mesa. Nada, absolutamente nada.
As coisas voltaram a ser como antes. Nina intocável e mês textos devidamente escritos. Talvez ela nunca mais me ligue, ou talvez ela tenha entendido minha situação. Talvez não. Talvez quem sabe.Talvez quando ela ler aquela coluna - a qual fez com que ela me enviasse um email dizendo ser uma leitura assídua e me convidando para um café um dia desses - e ver que nela, dessa vez, transborda toda sua sensualidade por mim desnudada em palavras, e quem sabe da próxima vez, em ações.