Giancarlo Rufatto- Gostar de música pop é um problema

Gostar de música pop é um problema. Se você tiver lido o romance “Alta Fidelidade” do escritor inglês Nick Hornby, ou mesmo se você conhecer alguém que tenha lido ou assistido o filme homônimo, provavelmente já conheça a frase: “o que veio primeiro a tristeza ou a música pop? Sou triste porque ouço música pop ou ouço música pop porque sou triste?”. Gostar de música pop não é fácil, envolve muito sacrifício e alguma devoção do seu tempo, tanto que costumo associar o tempo que ficamos envolvidos com uma canção que gostamos, com o tempo que perdemos tentando achar a pessoa certa(tudo bem, eu sei que sou bom em generalizar).
Sim, como as mulheres (no meu caso, que pode não ser o seu lado da história), as canções funcionam para o bem e para o mal. Ambas possuem a capacidade de deixa-lo eufórico e saltitante como uma canção do Franz Ferdinand ou melancólico e perturbado como um Radiohead tocando no seu peito.

Basicamente, é impossível ser imparcial em se tratando de música, não adianta tentar ser o mais cético e superficial ouvinte do planeta, a menos é claro que você seja um andróide saído de alguma cena de Blade Runner e não possua um coração. Para todos os outros a musica ocupará alguma cadeira cativa, bem ali entre o primeiro beijo, o primeiro amor e a primeira decepção.
Como vocês sabem existem tantos tipinhos diferentes de seres que ouvem musica, tanto quanto existem rótulos e estilos musicais para dividi-los e subdividi-los, mas vejamos alguns:

Existem aqueles cuja música sempre esteve ali no fundo, o que aconteceu é que eles nunca foram apresentados, não há aquele romance, olhos fechados ou um ou outro suspiro emocionável, em termos genérico é o que a radio fez com as pessoas, acabou com o senso e a capacidade de se emocionar sendo surpreendido ouvindo uma musica, mas pode ser também que esta pessoa nunca tenha ficado um dia sequer sozinha em toda a sua vida e, portanto tenha uma vida perfeita e sem problemas, o que justificaria o desapego a canções sobre pessoas que sofrem mais que você.

Na contra mão destes, há aqueles que destinam algumas horas do seu dia e possivelmente alguns quartos de anos da sua vida a escutar alguém cantando sobre como esta infeliz depois que seu “prête” se foi ou como a vida era boa enquanto eles estavam juntos. Esses gêneros humanos em escassez nos tempos modernos, ainda gastam algum dinheiro (pouco) em discos, embora agora, passem muito mais tempo garimpando bandas obscuras via internet do que em sebos empoeirados em busca de algum vinil do the smiths, mas sim eles ainda existem.

No meio destes dois, os insensíveis e os emocionados, está a maioria da população, entre estes está a sua prima (aposto que hoje ela nutre alguma vergonha dos discos da legião urbana que ganhou do ex-namorado), os seus vizinhos, o seu tio (aquele que já teve discos do creedence, do the doors e até Stones, mas atualmente ouve música sertaneja) e possivelmente até a sua mãe. Música ainda pode ser algo de valor para estas, basta perguntar pra sua mãe sobre sua adolescência, ou mesmo colocar um disco dos Beatles pra tocar e ela lhe contará algo sobre um baile ou algum artista que ela adorava na infância. Eles já amaram ao som de algum pop sintético (bandinhas eletrônicas dos anos 80), ou alguma balada adocicada dos Beegees, quer um exemplo? Coloque “baby, i love your way” de um cara chamado Peter Framptom perto da sua tia pra você ver o que acontece. Eles já foram apaixonados por musica, mas hoje ouvem a musica da novela, ou da FM, não porque perderam o tesão por ouvir uma canção de peito aberto, mas talvez porque agora, não tenham mais tempo pra perder com meninos e suas desilusões adolescentes.

Vamos encarar desta forma: passar uma grande parte da vida falando de música pop pode ser uma maneira bonitinha de conservar os ternos sentimentos da juventude, de continuar sonhando com sensações perfeitas, pelo menos nos três ou quatro minutos que a canção estiver nos ouvidos. Talvez uma desculpa pra continuar pulando de romance pra romance sempre que alguma duvida aparecer, e então poderemos culpar a música pop, afinal assim como as discussões sobre o gosto musical alheio, as relações também são carregadas de alguma crueldade e de uma ironia que nos permitimos usar, quando se tratando de estabelecer alguma defesa ou algum poder sobre alguém. E com certeza enquanto as pessoas continuarem saindo de casa, conhecendo gente e se apaixonando, ainda existirão cobertores, discos e corações partidos, e a música pop estará por ai fazendo suas vitimas.



*Para entender:

Alta Fidelidade: conta a historia de um dono de uma loja de discos obcecado por listas “top 5”, que após ser deixado por sua mulher, resolve enumerar suas maiores decepções amorosas. No Brasil o culto a esse romance gerou a peça de teatro “A vida é Cheia de Som e fúria”, uma das peças independentes de maior sucesso no Brasil.


Nick Hornby: vários de seus romances viraram filmes, além do citado “Alta Fidelidade” (high fidelity, Rocco, 1998), “Um Grande Garoto” (About The Boy, Rocco, 2000) e “amor em jogo” (Fever Pitch, Rocco, 1995) viraram filmes divertidos, mas são um tanto diferentes dos livros.

Franz Ferdinand: se você não ouviu “take me out” e “this fire” ou esteve em júpiter entre os anos de 2004 e 2005, lamento te avisar, mas você perdeu uma grande chance de se divertir e dançar até se acabar.

Radiohead: “fake plastic trees” (foi trilha de comercial no Brasil) e “high and dry”, canções do maravilhoso “the bends” (1995) já completaram dez anos e continuam clássicos da melancolia pop. “ok computer” foi disco do ano de 1997 e está entre os cinco melhores discos da década de noventa. A banda é uma ilha de inovação musical, assustando o mundo pop cada vez que lança um disco novo. Com certeza você já ouviu muito e talvez nem saiba.

Blade Runner, o caçador de andróides (1982): clássico dos anos oitenta sobre o futuro cosmopolita e tremendamente assustador. É aquele filme que o Harrison Ford (o Indiana Jones) é um ex-policial que tem de caçar andróides, no filme chamados de replicantes. Você viu quando era criança e, portanto não lembra, mas a globo passava o filme até na sessão da tarde.

Prête: gíria moderninha pra definir um possível namorinho ou alguém que você anda “pegando” (vamos definir uma gíria usando outra gíria só pra ficar divertido). Se você já leu o zine e coluna da folha 02 neurônio, sabe que elas usam a gíria pelo menos um milhão de vezes por texto.

The Smiths: ligue o radio e espere um pouco e pronto. São grandes as chances de você ouvir “big mouth strikes again” ou “the boy with torn in his side”, hinos desta adorável banda dos anos oitenta. “Queen is Dead”, talvez o disco mais famoso da banda, completou 20 anos de lançamento e é grande a expectativa sobre a possível vinda de morrissey, ex-vocalista da banda, ao Brasil este ano, inclusive tocando em Curitiba.

Baby, i love your way: Peter “Framptom comes alive” é uma praga, o disco ao vivo mais vendido da historia (e figurinha fácil de se achar nos sebos) ainda toca até em rádios AM pelo mundo afora e esta canção citada (teve até uma bizarra versão em português de um cara que participou da casa dos artistas, não me perguntem o nome) faz a alegria de qualquer dona de casa que tenha sido adolescente no final dos anos 70.


Giancarlo Rufatto toca na banda Móbiles,é Publicitário,vive na terra do Leminski e não sabe brincar.